É por fragmentos que Nelson Miranda se exprime. Nós somos, a cada vez, transpostos para lugares cuja coerência, num primeiro tempo, nos escapa (Fundação Lar do Emigrante Português no Mundo. 2016-2020). A singularidade do discurso tem que ser procurada na junção de fragmentos de imagens, no equilíbrio da dispersão e da coesão. O olho/câmera move-se de imagem em imagem, das quais terá que ser o espectador a recriar, por intervalos sucessivos, a lógica da narrativa. E pouco importa se, por vezes, se omite a articulação! No fim da ortodoxia da narrativa fotográfica, a descontinuidade é o sal da escrita de Nelson Miranda.
Com uma constância renovada, o autor convida-nos a experimentar a vacuidade. Ou como a história da arquitectura revela a alma de uma nação, o seus sobressaltos e as suas contradições, uma história de esvaziamento (Riba de Ave. 2015-2017). A geografia do capitalismo inscreve nos seus mapas um percurso idêntico de despojos industriais, de terrenos baldios, de lugares cuja identidade se perde nos relatos de bancarrota e de falências. Algumas informações essenciais fornecidas pelo fotógrafo informam-nos sobre a natureza dos lugares. O vazio impõe-se de imediato (Paisagem Velada. 2013-2016). A economia pós-agrária esvaziou-se e esvaziou da sua substância tudo o que ela soube criar. Ela mutila-se e esquece-se voluntariamente. Não se respeita a si própria, tal Cronos devorador, deixando à fotografia a missão de organizar o luto e o apelo à reflexão, ao abrandamento e ao abandono.
O encontro dissonante de fragmentos de imagens exprime um intenso interesse pelo interstício e na suposta «cultura visual» do espectador capaz de os ligar. O espaço entre cada imagem é uma liberdade concedida ao espectador, uma indeterminação que apela ao sentido crítico que, esperemos, só nos poderá levar à lucidez.
Nelson Miranda tem essa rara qualidade, a lucidez de um investigador. Ele trespassa as cenas com uma luz reveladora. (O Espaço Duplicado. 2014-2016). A fotografia é um bisturi. Ela corta e disseca. Partilha com a anatomia a ciência do corte e do exame! O enquadramento da fotografia é uma cena de crime, do qual somos testemunhas, chamados a não nos afastar.
É a razão pela qual todos os espaços do Nelson Miranda são a imagem de um teatro de acontecimentos dramáticos, de pequenos fins do mundo, uma autópsia de uma crise final.
François Cheval, maio de 2020